Em um movimento inesperado, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, encaminhou nesta quinta-feira (27) o pedido de arquivamento da investigação que apura a suposta fraude no cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro. A decisão aguarda o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que terá a palavra final sobre o destino do caso.
A controvérsia teve início após a inclusão, em 21 de dezembro de 2022, de um dado considerado ideologicamente falso no sistema SI-PNI do Ministério da Saúde. Segundo o documento da PGR, a informação afirmava que Bolsonaro e sua filha menor teriam recebido uma dose contra a Covid, fato que foi desfeito em poucos dias – as informações foram removidas em 27 de dezembro de 2022, e o certificado impresso teria sido inutilizado sem qualquer uso posterior.
A peça acusatória baseava-se, em grande parte, na delação premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Em seu depoimento, o colaborador relatou que o ex-presidente teria solicitado a emissão do cartão de vacinação falsificado para si e para sua filha, ao afirmar: “Faz pra mim e pra Laura”. Gonet, entretanto, ressalta que, apesar da relevância das declarações de Mauro Cid, a lei exige que esse tipo de informação seja ratificado por outras provas independentes para fundamentar uma acusação penal.
De acordo com o procurador, “somente o colaborador afirmou que o presidente lhe determinara a realização do ato”, reforçando que o recebimento de denúncias baseadas unicamente em declarações de delatores não encontra respaldo na jurisprudência da Corte. O documento enfatiza que a ausência de suporte mínimo para a acusação impede a tipificação do crime de inserção de dados falsos em sistema público.
Ainda que a colaboração de Mauro Cid tenha sido determinante em outras investigações – inclusive na apuração de condutas relacionadas à tentativa de golpe de Estado – a falta de evidências autônomas quanto à solicitação direta de Bolsonaro coloca em xeque a possibilidade de prosseguimento da ação penal neste caso. Gonet afirma que “essa solicitação [de Bolsonaro] é elemento de fato central para que a conduta típica, crime de mão própria, lhe possa ser imputada” e, na ausência de corroboracão, não seria possível dar continuidade à denúncia.
Enquanto o STF analisa o pedido, a decisão de arquivamento lança luz sobre a complexa teia de investigações que marcaram os últimos anos de turbulência política no país. O episódio reacende o debate sobre os limites da colaboração premiada e o rigor necessário para que acusações graves possam se materializar, sobretudo em um cenário de intensa polarização e disputas judiciais que marcam a história recente da política brasileira.